quinta-feira, 29 de abril de 2010

DETALHES SOBRE OS CONFLITOS NO ORIENTE MÉDIO

Olá, pessoal.

Interessante a reflexão feita por este texto. Por isso compartilho o mesmo com vocês.

Abraços
Prof. Geferson

Não é o perigo nuclear, é o industrial. Quanto ao mais é só estratégia

Por: Anna Malm*

De um lado o Afeganistão e o Iraque porque estão localizados estratégicamente em relação ao contrôle de tôda a região do Oriente Médio. Aí está o porque de precisarem ser desarticulados, empobrecidos e dominados. De outro lado o Irã e a Síria porque são os que tem capacidade de poder deter a marcha dos avanços criminosos na região. Aí está o porque de precisarem cair de joelhos e pedir perdão, mas isso não antes de estarem bem humilhados e enfraquecidos não estando mais em condições de influenciar ou servir de exemplo à ninguém. Quatro países, uma região, uma agressão, dois motivos principais. Os motivos desdobrando se em impedir uma oposição capaz (Irã e Síria) e em poder manter o contrôle do fluxo energético do Oriente Médio (Iraque e Afeganistão). Uma olhadela rápida ao mapa mostrará o porque.

Êsses são os motivos de base estratégica abrangente. Colocando se a isso no caso do Afeganistão o poder de se controlar a mineração do ouro e dos outros minerais de alto valôr tecnológico existentes em seu solo, juntamente com o poder de controlar, se não a maior, uma das maiores fontes de ópio do mundo, começa se a compreender porque o Afeganistão tem que ser dominado. Talibã ou não Talibã.

É comum se pensar que o que é importante é o contrôle do petróleo em si, mas isso é um engano. O que tem valôr estratégico pelo qual alguns dos interessados trapaceiam, enganam e matam é o contrôle do fluxo do petróleo que possibilita o contrôle do preço do petróleo e seus derivados no mercado internacional. Por exemplo, estando o petróleo com preço baixo no mercado, ter o poder de estrangular a leverança do mesmo para fazer o preço automaticamente subir . Como se sabe diamantes são muito mais caros que água. Em última instância é a raridade do primeiro e a abundância do segundo que traz a diferença nos preços e isso é em princípio válido para todos os bens de consumo nas economias de mercado.

Uma grande indústria petroleira por mais rica que seja não tem o poder de determinar os preços no mercado internacional. Já um conglomerado, por exemplo como a OPEP tem exatamnete êsse poder. Não se sendo um dos membros mais influentes da OPEP, mas mesmo assim ainda se querendo ter contrôle do preços do petróleo e seus derivados no mercado internacional existe uma opção para se obter êsse contrôle.

(...)

sábado, 17 de abril de 2010

Recordando Zilda Arns

Olá, pessoal.

Na sexta-feira foram realizadas algumas exposições importantes durante uma de minhas aulas de Sociologia. Dentre as muitas questões que foram abordadas, uma delas me fez recordar a gloriosa Zilda Arns. Por isso resolvi postar as palavras de Frei Betto em relação a ela.

Apreciem!

Prof. Geferson

Zilda Arns, a mãe do Brasil


Pode-se repetir que ninguém é insubstituível, mas a dra. Zilda Arns, vítima do terremoto que arruinou o Haiti, era sim uma pessoa imprescindível. Nela mostrava-se imperceptível a distância entre intenções e ações. Formada em medicina e movida por profundo espírito evangélico – era irmã do cardeal Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo –, fundou a Pastoral da Criança, alarmada com o alto índice de mortalidade infantil no Brasil.

Em iniciativas de voluntariado se podem mapear dois tipos de pessoas: as que primeiro agem, põem o bloco na rua e depois buscam os recursos; e as que se enredam no cipoal das fontes financiadoras e jamais passam da utopia à topia.

Zilda Arns arregaçou as mangas e, inspirada na pedagogia de Paulo Freire, encontrou, primeiro, os recursos humanos capazes de mobilizar milhares de pessoas em prol da drástica redução da mortalidade infantil: mães e pais das crianças de 0 a 6 anos, atendidas pela Pastoral, transformados em agentes multiplicadores.

Ela, sim, fez o milagre da multiplicação dos pães, ou seja, da vida. Aonde chega a Pastoral da Criança, o índice de mortalidade infantil cai, no primeiro ano, no mínimo 20%.

Seu método de atenção às gestantes pobres e às crianças desnutridas tornou-se paradigma mundial, adotado hoje em vários países da América Latina e da África. Por essa razão ela se encontrava no Haiti, onde pagou com a morte sua dedicação em salvar vidas.

Trabalhamos juntos no Fome Zero. No lançamento do programa, em 2003, ela discordou de se exigir dos beneficiários comprovantes de gastos em alimentos, de modo a garantir que o dinheiro não se destinasse a outras compras. Oded Grajew e eu a apoiamos, ressaltamos que apresentar comprovantes não era relevante, valia como forma de se verificar resultados. Haveria que confiar na palavra dos beneficiários.

Em março de 2004, no momento em que o governo trocava o Fome Zero pelo Bolsa Família, ela me convocou a Curitiba, sede da Pastoral da Criança. Em reunião com José Tubino, da FAO, e dom Aloysio Penna, arcebispo de Botucatu (SP), que representava a CNBB, debatemos as mudanças na área social do governo. Expus as tensões internas na área social, sobretudo a decisão de se acabar com os Comitês Gestores, pelos quais a sociedade civil atuava junto à gestão pública.

Zilda Arns temia que o Bolsa Família priorizasse a mera transferência de renda, submetendo-se à orientação que propõe tratar a pobreza com políticas compensatórias, sem tocar nas estruturas que promovem e asseguram a desigualdade social.

Acreditava que as políticas sociais do governo só teriam êxito consolidado se combinassem políticas de transferência de renda e mudanças estruturantes, ações emergenciais e educativas, como qualificação profissional.

Dias após a reunião, ela publicou o artigo "Fôlego para o Fome Zero", no qual frisava que a política social "não deve estar sujeita à política econômica. É hora de mudar esse paradigma. É a política econômica que deve estar sujeita ao combate à fome e à miséria".

E alertava: "Erradicar os Comitês Gestores seria um grave erro, por destruir uma capilaridade popular que fortalece o empoderamento da sociedade civil; por reforçar o poder de prefeitos e vereadores que nem sempre primam pela ética e pela lisura no trato com os recursos públicos. O governo não deve temer a parceria da sociedade civil, representada pelos Comitês Gestores."

O apelo da mãe da Pastoral da Criança não foi ouvido. Os Comitês Gestores foram erradicados e, assim, a participação da sociedade civil nas políticas sociais do governo.

Apesar de tudo, o ministro Patrus Ananias logrou aprimorar o Bolsa Família e o índice de redução da miséria absoluta no país, conforme dados recentes do Ipea. Falta encontrar a porta de saída aos beneficiários, de modo a produzirem a própria renda.

Zilda Arns nos deixa, de herança, o exemplo de que é possível mudar o perfil de uma sociedade com ações comunitárias, voluntárias, da sociedade civil, ainda que o poder público e a iniciativa privada permaneçam indiferentes ou adotem simulacros de responsabilidade social.

Se milhares de jovens e adultos brasileiros sobrevivem, hoje, às condições de pobreza em que nasceram, devem isso em especial à dra. Zilda Arns, que merece, sem exagero, o titulo perene de Mãe da Pátria.



*Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de "A mosca azul – reflexão sobre o poder" (Rocco), entre outros livros.

domingo, 11 de abril de 2010

Uma das histórias de amor mais bonitas que já li

CAPÍTULO XIX

De Beren e Lúthien


Entre os relatos de dor e destruição que nos chegaram das trevas daquele tempo, existem ainda assim alguns nos quais, em meio ao pranto, há alegria e, sob a sombra da morte, luz duradoura.
E dessas histórias a que ainda parece mais bela aos ouvidos dos elfos é a de Beren e Lúthien.
De suas vidas foi criada a Balada de Leithian (Libertação do Cativeiro), que é a segunda mais longa de todas as canções a respeito do mundo de outrora. Aqui, porém, a história é contada com menos palavras e sem música

Já se disse que Barahir não quis abandonar Dorthonion, e que ali Morgoth o perseguiu até a morte, até lhe restarem, no final, apenas doze companheiros. Ora, a floresta de Dorthonion na direção sul subia, transformando-se numa região de charneca montanhosa; e na direção leste desses planaltos havia um lago, Tam Aeluin, circundado por urzes selvagens. E toda aquela terra era desprovida de caminhos e ainda não desbravada, pois, mesmo nos tempos da Longa Paz, ninguém ali habitara. Contudo, as águas do Tarn Aeluin eram reverenciadas por serem claras e azuis de dia; e à noite serem um espelho para as estrelas. Dizia-se que a própria Melian consagrara outrora aquela água. Para ali, Barahir e seus proscritos fugiram e ali fizeram seu covil, sem que Morgoth conseguisse descobri-la. No entanto, rumores das atividades de Barahir e seus companheiros se espalharam por toda parte, e Morgoth deu ordens a Sauron para encontrá-los e destruí-los.

Ora, entre os companheiros de Barahir estava Gorlim, filho de Angrim. Chamava-se Eilinel sua mulher, e o amor deles era enorme, até que o mal se abatesse sobre eles. Gorlim, porém, voltando das guerras nas fronteiras, encontrou sua casa saqueada e abandonada, e a mulher, desaparecida. Se morta, se capturada, ele não sabia. Fugiu ele então ao encontro de Barahir e, dos companheiros, era o mais feroz e desesperado. Contudo, a dúvida lhe corroia o coração. A idéia de que talvez Eilinel não estivesse morta. Às vezes, saía sozinho e em segredo para visitar sua casa, que ainda estava de pé em meio aos campos e bosques que antes possuía. E esse costume foi descoberto pelos servos de Morgoth.

Um dia, no outono, ele chegou na hora do crepúsculo e, ao se aproximar, pensou ter visto uma luz à janela. Aproximando-se com toda a cautela, espiou lá dentro. Ali viu Eilinel, com o rosto aflito de tristeza e fome, e Gorlim pareceu ouvir sua voz lamentando ter sido abandonada.

Porém, no exato momento em que ele deu um grito, a luz foi apagada pelo vento. Lobos uivaram, e ele de repente sentiu nos ombros as pesadas mãos dos caçadores de Sauron. Assim foi a cilada a Gorlim. Levando-o para seu acampamento, eles o torturaram em busca de informações sobre o esconderijo de Barahir e seus hábitos. Gorlim, entretanto, se recusou a falar. Prometeram-lhe então que seria libertado e entregue de volta a Eilinel se cedesse. E, já alquebrado pela dor e ansioso pela mulher, ele sucumbiu. Foi então imediatamente levado à horrenda presença de Sauron.

- Soube agora que queres negociar comigo. Qual é teu preço? E Gorlim respondeu que seria voltar a encontrar Eilinel e, com ela, ser libertado. Pois acreditava que ela também havia sido capturada.

- É um preço baixo para uma traição tamanha. Mas que seja assim. Fala! Nesse momento, Gorlim teria recuado, mas, intimidado pelos olhos de Sauron, acabou contando tudo o que ele queria saber. Então, Sauron deu uma risada, zombou de Gorlim e revelou que o que havia visto era uma aparição criada por feitiços para atraí-lo, pois Eilinel estava morta.

- Não obstante, concedo-te teu pedido – disse Sauron – e tu irás para onde Eilinel está, sem teres de me prestar serviço. - E então o matou com crueldade.

Dessa forma, foi revelado o esconderijo de Barahir, e Morgoth lançou sua rede sobre ele. E os orcs, chegando nas horas tranqüilas antes do alvorecer, surpreenderam os homens de Dorthonion, assassinando todos eles, menos um. Pois Beren, filho de Barahir, havia sido mandado pelo pai numa perigosa missão para espionar o Inimigo, e estava muito longe quando o covil foi tomado. Entretanto, enquanto dormia cercado pelas trevas na floresta, sonhou com aves carniceiras pousadas em grande quantidade em árvores nuas junto a um alagado, e de seus bicos pingava sangue. E então, no sonho, Beren percebeu uma forma que vinha em sua direção por cima d’água. Era um fantasma de Gorlim, que falou com ele, revelando sua traição e sua morte, e lhe pediu que se apressasse para ir avisar o pai.

Acordou então Beren e saiu veloz pela noite, chegando de volta ao covil dos proscritos na manhã do segundo dia. No entanto, à medida que se aproximava, as aves de carniça levantaram vôo e pousaram nos amieiros às margens do Tam Aeluin, grasnando, zombeteiras.

Ali Beren enterrou os ossos do pai e ergueu um túmulo de pedras sobre ele, fazendo um juramento de vingança. Em primeiro lugar, portanto, perseguiu os orcs que haviam matado seu pai e seus parentes. E encontrou seu acampamento à noite, junto ao Poço do Rivil, acima do Pântano de Serech. Graças a sua perícia em andar pelas florestas, conseguiu se aproximar da fogueira sem ser visto. Ali, o capitão se vangloriava de seus feitos e exibia a mão de Barahir, que decepara, para levar a Sauron como sinal de que sua missão fora cumprida. E o anel de Felagund estava nessa mão. Então, Beren saltou de onde estava atrás de uma rocha e matou o capitão. Tomou-lhe a mão com o anel e escapou, sendo defendido pelo destino, pois os orcs ficaram desnorteados, e suas flechas não tinham direção.

Por mais quatro anos, Beren ainda vagou por Dorthonion, um proscrito solitário. Tomou-se, porém, amigo dos pássaros e dos outros animais, e eles o ajudavam, sem traí-lo. Dessa época em diante, não mais comeu carne nem matou nenhuma criatura viva que não estivesse a serviço de Morgoth. Beren não temia a morte, apenas o cativeiro; e, por ser audaz e desesperado, escapou tanto à morte quanto aos grilhões. E os feitos de ousadia solitária que ele realizava eram comentados por toda a Beleriand, chegando seu relato até mesmo a Doriath. Afinal, Morgoth pôs sua cabeça a um prêmio em nada inferior ao oferecido pela cabeça de Fingon, Rei Supremo dos noldor; mas os orcs fugiam ao ouvir falar na sua aproximação, em vez de persegui-lo. Por isso, foi enviado um exército contra ele, sob o comando de Sauron; e Sauron trouxe lobisomens, feras cruéis possuídas por espíritos apavorantes que ele havia aprisionado nesses corpos.

Toda essa terra estava agora impregnada do mal; e tudo que era limpo dali se afastava. E Beren foi tão perseguido, que afinal foi forçado a fugir de Dorthonion. No tempo do inverno e da neve, ele abandonou a terra e o túmulo de seu pai e, escalando as regiões mais altas de Gorgoroth, as Montanhas do Terror, descortinou ao longe a terra de Doriath. Ali entrou em seu coração o desejo de penetrar no Reino Oculto, onde nenhum mortal até então havia pisado.

Terrível foi essa viagem para o sul. Íngremes eram os precipícios das Ered Gorgoroth, e a seus pés havia sombras ali dispostas antes do surgimento da Lua. Mais além, ficavam os ermos de Dungortheb, onde os feitiços de Sauron e o poder de Melian se enfrentavam, e o horror e a loucura andavam a solta. Ali moravam aranhas da cruel raça de Ungoliant, tecendo suas teias invisíveis, nas quais todos os seres vivos eram apanhados, e monstros por ali vagavam, nascidos nas longas trevas anteriores ao Sol, caçando, silenciosos, com seus muitos olhos.

Nenhum alimento para elfos ou homens havia naquela terra assombrada, apenas a morte. Essa viagem não é considerada o menor dentre os grandes feitos de Beren; mas ele não falava a ninguém a respeito dela, para que o horror não voltasse a sua mente. E ninguém sabe como ele encontrou um caminho e assim chegou, por trilhas nas quais nenhum homem ou elfo jamais ousara pisar, às fronteiras de Doriath. E atravessou os labirintos que Melian havia criado em torno do reino de Thingol, exatamente como ela própria previra; pois um grande destino lhe estava reservado.

Conta a Balada de Leithian que Beren chegou trôpego a Doriath, grisalho e encurvado, como por muitos anos de sofrimento, tal havia sido seu tormento na viagem. Entretanto, perambulando no verão pelos bosques de Neldoreth, ele deparou com Lúthien, filha de Thingol e Melian, a certa hora da noite antes do nascer da Lua, quando ela dançava na relva perene nas clareiras junto ao Esgalduin. Nesse instante, toda a lembrança de sua dor abandonou Beren, e ele foi dominado pelo encantamento, pois Lúthien era a mais bela de todos os Filhos de Ilúvatar. Azuis eram seus trajes como o firmamento sem nuvens, mas seus olhos eram cinzentos como a noite estrelada; seu manto era bordado com flores douradas, mas seus cabelos eram escuros como as sombras do crepúsculo. Como a luz sobre as folhas das árvores, como a voz de águas cristalinas, como as estrelas acima das névoas do mundo, tal era sua glória e sua beleza. E em seu rosto havia um brilho esplendoroso.

No entanto, ela desapareceu de sua vista. E Beren ficou mudo, como alguém dominado por algum encantamento. E muito tempo perambulou nos bosques à sua procura, arisco e selvagem como um animal. Em seu coração, ele a chamava de Tinúviel, que significa Rouxinol, filha do crepúsculo, no idioma dos elfos-cinzentos, pois não conhecia outro nome para ela. E a via de longe como folhas ao vento no outono; e, no inverno, como uma estrela no alto de uma colina; mas uma corrente prendia as pernas dele.

Chegou uma época, perto do amanhecer, na véspera do início da primavera, em que Lúthien estava dançando numa colina verde. De repente, ela começou a cantar. Era um canto agudo, penetrante, como o canto da cotovia, que se ergue dos portões da noite e solta a voz entre as estrelas agonizantes, vendo o Sol por trás das muralhas do mundo. E a canção de Lúthien soltou as algemas do inverno; e as águas congeladas falaram; e flores brotavam da terra fria em que seus pés haviam passado.

Então, o encantamento do silêncio foi desfeito, e Beren a chamou, gritando Tinúviel. E os bosques repetiram o nome. Ela então parou, admirada, e não mais fugiu. E Beren veio até onde ela estava. Contudo, no instante em que o contemplou, o destino a dominou e ela o amou.

Mesmo assim, escapuliu de seus braços e desapareceu de sua frente, assim que raiou o dia, Beren ficou, então, caído no chão como num desmaio, como alguém abatido ao mesmo tempo pela felicidade e pela dor. E caiu num sono semelhante a uma queda num precipício de sombras; e, ao acordar, estava frio como uma pedra; e seu coração, árido e abandonado. E com a cabeça perdida, ele tateava, como alguém que, acometida de súbita cegueira, procurasse com as mãos agarrar a luz que desaparecera. Desse modo, ele começou o pagamento de angústia pelo destino que lhe fora atribuído. E em seu destino, Lúthien fora enredada. E, sendo imortal, compartilhou sua mortalidade; e, sendo livre, aceitou sua corrente. E sua angústia foi maior do que a conhecida por qualquer outro dos eldalië.

Já perdidas as esperanças de Beren, Lúthien voltou a ele enquanto estava sentado na escuridão; e, naquela época remota no Reino Oculto, pôs a mão sobre a dele. Daquele momento em diante, ela com freqüência vinha até ele, e os dois passeavam em segredo pelos bosques, da primavera ao verão. E nenhum outro Filho de Ilúvatar conheceu tamanha alegria, embora o período fosse curto.

No entanto, Daeron, o Menestrel, também amava Lúthien. Ele descobriu seus encontros com Beren e os denunciou a Thingol. Enfureceu-se então o Rei, pois ele amava Lúthien acima de tudo, considerando-a superior a todos os príncipes dos elfos; ao passo que homens mortais ele nem admitia a seu serviço. Por isso, falou com Lúthien, magoado e espantado; mas ela não quis revelar nada, até ele jurar que não mataria Beren nem o prenderia. Thingol mandou, porém, seus servos capturá-lo e trazê-lo a Menegroth como um malfeitor. E Lúthien, adiantando-se a eles, conduziu ela mesma Beren ao trono de Thingol, como se ele fosse um hóspede de honra.

Thingol então contemplou Beren, cheio de raiva e desdém; mas Melian permaneceu em silêncio.

- Quem é você – disse o Rei – que chega aqui como um ladrão e, sem ser convidado, ousa se aproximar do meu trono?

Beren, porém, apavorado, pois o esplendor de Menegroth e a majestade de Thingol eram imensos, nada respondeu. Falou, então, Lúthien.

- Ele é Beren, filho de Barahir, senhor dos homens, poderoso inimigo de Morgoth, e a história de seus feitos já é cantada em versos mesmo entre os elfos.

- Deixe Beren falar! - disse Thingol. - O que o traz aqui, infeliz mortal, e por que motivo deixou sua terra para entrar nesta, que é proibida aos de sua laia? Você pode me dar uma razão pela qual meu poder não deva cair sobre você em pesada punição por sua insolência e loucura? Beren, então, erguendo os olhos, contemplou os de Lúthien e de relance viu também o rosto de Melian; e lhe pareceu que palavras eram postas em sua boca. O medo o abandonou, e o orgulho do mais antigo clã dos homens lhe voltou.

- Meu destino, ó Rei, me trouxe aqui através de perigos tais como poucos da raça élfica enfrentariam. E aqui descobri o que de fato não procurava, mas, ao encontrar, quis possuir para sempre. Pois está acima de todo ouro e toda prata, e supera todas as pedras preciosas. Nem rocha, nem aço, nem as fogueiras de Morgoth, nem todos os poderes dos reinos élficos conseguirão me afastar do tesouro que desejo. Pois Lúthien, sua filha, é a mais bela de todas as Criações do Mundo.

O salão mergulhou em silêncio, pois os que ali estavam ficaram estarrecidos e receosos, pensando que Beren seria morto. Thingol, porém, falou com vagar.

- A morte você conquistou com essas palavras; e a morte você encontraria de repente se eu não tivesse feito um juramento apressado; do qual me arrependo, mortal plebeu, que no reino de Morgoth aprendeu a entrar sorrateiro, como seus espiões e escravos.

- A morte o senhor pode me dar justa ou injustamente; mas não aceitarei os nomes de plebeu, espião ou escravo. Pelo anel de Felagund, que ele entregou a meu pai no campo de batalha no norte, meu clã não merece ser assim chamado por nenhum elfo, rei ou não.

Foram palavras altivas, e todos os olhos se voltaram para o anel. Pois Beren agora o segurava no alto, e ali refulgiam as gemas verdes que os noldor haviam criado em Valinor. É que esse anel era como serpentes gêmeas, cujos olhos eram esmeraldas, e suas cabeças se encontravam sob uma coroa de flores douradas, que uma serpente sustentava e a outra devorava. Esse era o emblema de Finarfin e de sua Casa. Inclinou-se então Melian para perto de Thingol e, aos sussurros, insistiu para que ele deixasse passar sua ira.

- Pois não é através de suas mãos que Beren será morto – disse Melian – e o destino dele o leva longe e em liberdade no final, embora entrelaçado com o seu. Acautele-se! Thingol, porém, contemplou Lúthien em silêncio, pensando em seu íntimo: “Homens infelizes, filhos de pequenos senhores e de reis passageiros, será que algum desses porá as mãos em você e sobreviverá?” Rompeu, então, o silêncio.

- Estou vendo o anel, filho de Barahir, e percebo que você tem orgulho e se considera poderoso. Entretanto, os feitos do pai, mesmo que o serviço tivesse sido prestado a mim, não bastam para conquistar a filha de Thingol e Melian. Veja bem! Eu também desejo um tesouro que não me é concedido. Pois a rocha, o aço e as fogueiras de Morgoth guardam a pedra preciosa que eu gostaria de possuir contra todos os poderes dos reinos élficos. Contudo, eu o ouvi dizer que desafios como esses não o intimidam. Siga, então, seu caminho! Traga-me na mão uma Silmaril da coroa de Morgoth. E então, se ela desejar, Lúthien poderá segurar sua mão. Só então você terá minha jóia. E, embora o destino de Arda esteja dentro das Silmarils, mesmo assim você vai me considerar generoso.

Assim Thingol lavrou o destino de Doriath e foi envolvido na maldição de Mandos. E os que ouviram essas palavras perceberam que Thingol cumpriria seu juramento e, mesmo assim, mandaria Beren para a morte; pois sabiam que nem todo o poder dos noldor, antes que o Cerco fosse rompido, havia sido suficiente para ver, mesmo de longe, as reluzentes Silmarils de Fëanor. Elas estavam engastadas na Coroa de Ferro e eram valorizadas em Angband mais do que qualquer tesouro; e havia balrogs ao seu redor, espadas sem conta, grades fortes, muralhas inexpugnáveis e a sinistra majestade de Morgoth. Beren, porém, riu.

- Por preço baixo os reis élficos vendem suas filhas: por pedras preciosas e objetos criados por artífices. No entanto, se é essa sua vontade, Thingol, realizarei essa tarefa. E, quando nos encontrarmos novamente, minha mão estará segurando uma Silmaril da Coroa de Ferro; pois esta não é a última vez que vê Beren, filho de Barahir.

Olhou, então, nos olhos de Melian, que nada falou. Despediu-se de Lúthien Tinúviel e, fazendo uma reverência diante de Thingol e Melian, dispensou os guardas à sua volta e partiu de Menegroth sozinho.

Então, Melian afinal falou.

- Ó Rei – disse ela a Thingol -, foi astuta essa sua idéia. Contudo, se meus olhos não perderam sua capacidade de ver, será igualmente ruim para você Beren realizar a tarefa ou não realizar.

Pois, com isso, você condenou sua filha ou a si mesmo. E agora Doriath foi atraída para o destino de um reino mais poderoso.

- Não vendo a elfos nem a homens quem eu amo e valorizo mais do que qualquer tesouro – respondeu Thingol. - E, se houvesse esperança ou temor de que Beren chegasse a voltar vivo a Menegroth, ele não voltaria a ver a luz do céu, muito embora eu tenha feito um Juramento Lúthien calou-se, porém, e daquela hora em diante não voltou a cantar em Doriath Um silêncio taciturno caju sobre os bosques, e as sombras aumentaram no reino de Thingol.

Conta a Balada de Leithian que Beren atravessou Doriath sem ser impedido e chegou afinal à região dos Alagados do Crepúsculo e dos Pântanos do Sirion. E, deixando a terra de Thingol, escalou as colinas acima das Quedas do Sirion, onde o rio mergulhava no subsolo com enorme ruído. Dali, olhou para o ocidente e, através da névoa e das chuvas que caíam sobre essas colinas, viu Talath Dirnen, a Planície Protegida, que se estendia entre o Sirion e o Narog E mais ao longe vislumbrou os planaltos de Taur-en-Faroth. Que se erguiam acima de Nargothrond. E, por estar em situação de penúria, sem esperança ou planos, para lá dirigiu seus passos.

Toda aquela planície era mantida sob vigilância pelos elfos de Nargothrond; e cada colina em suas fronteiras era coroada com torres ocultas. Além disso, em todos os seus bosques e campos, arqueiros rondavam em segredo, com equipamento excelente. Suas flechas eram certeiras e letais; e nada se insinuava ali contra a sua vontade. Por isso, antes que Beren avançasse muito na estrada, eles já o haviam percebido, e sua morte estava próxima Contudo, reconhecendo o perigo, ele sempre segurava no alto o anel de Felagund. E, embora não visse nenhuma criatura viva, em virtude da atitude furtiva dos caçadores, sentia que estava sendo vigiado.

- Sou Beren, filho de Barahir, amigo de Felagund – gritava ele, com freqüência. - Levem-me ao Rei!

Por conseguinte, os caçadores não o mataram, mas, reunidos, armaram uma emboscada e ordenaram que parasse. Contudo, ao ver o anel, eles fizeram reverência diante de Beren; embora ele estivesse em estado lastimável, desgrenhado e cansado de caminhar. Levaram-no então na direção norte e oeste, viajando a noite para não revelarem suas trilhas. Pois, naquela época, não havia vau ou ponte para a travessia da correnteza do Narog diante dos portões de Nargothrond; mas, mais ao norte, onde o Ginglith se juntava ao Narog, o volume de água, era menor e, atravessando ali para novamente voltar para o sul, os elfos conduziram Beren à luz do luar até os porões escuros de seus salões ocultos.

Assim chegou Beren diante do Rei Finrod Felagund. E Felagund o conheceu, sem precisar de anel algum para se lembrar da gente de Bëor e de Barahir. Reuniram-se a portas fechadas, e Beren falou da morte de Barahir e de tudo o que lhe ocorrera em Doriath; e chorou ao relembrar Lúthien e sua alegria juntos. Felagund, porém, ouviu seu relato com espanto e inquietação. Sabia que o Juramento que havia feito voltava agora para significar sua morte, como muito tempo antes ele previra a Galadriel. Falou então a Beren, com o coração pesaroso.

- Está claro que Thingol deseja sua morte; mas parece que essa sina ultrapassa seus objetivos, e que o Juramento de Fëanor está novamente atuando. Pois as Silmarils são amaldiçoadas com um voto de ódio; e aquele que simplesmente as nomeia com cobiça, desperta do sono uma força imensa. E os filhos de Fëanor deixariam em ruínas todos os reinos élficos mas não aceitariam que alguém que não eles mesmos conquistasse ou possuísse uma Silmaril, pois o Juramento a isso os obriga. E agora Celegorm e Curufin estão morando em meus palácios. E, embora eu, Filho de Finarfin, seja o Rei, eles acumularam grande poder no reino e lideram muitos de seu próprio povo. Demonstraram amizade por mim em todas as necessidades, mas receio que não demonstrem nem amor nem misericórdia por você, se sua busca for revelada.

Contudo, meu próprio Juramento vale. E assim todos fomos apanhados no laço.

Então falou o Rei Felagund diante de seu povo, recordando os feitos de Barahir e seu voto.

Declarou que lhe cabia auxiliar o filho de Barahir em sua necessidade e procurou a ajuda de seus comandantes. Celegorm então se levantou em meio à multidão e sacou a espada, em protesto

- Seja amigo, seja inimigo; seja demônio de Morgoth, elfo, filho dos homens ou de qualquer outro ser vivo em Arda, nem a lei, nem o amor, nem um pacto infernal, nem o poder dos Valar, nem nenhum poder de feitiçaria, vai defendê-la do ódio dos filhos de Fëanor em seu encalço, se ele tomar ou encontrar uma Silmaril e a guardar. Pois as Silmarils somente nós podemos reivindicar até o final dos tempos.

Muitas outras palavras, disse ele, tão vigorosas quanto, outrora em Tirion, haviam sido as palavras de seu pai que primeiro insuflaram os noldor à rebelião. E, depois de Celegorm, Curufin falou, em tom mais brando mas com vigor semelhante, invocando na mente dos elfos uma visão de guerra e a destruição de Nargothrond. Tão grande foi o medo que ele instilou em seus corações, que nunca mais, até a época de Túrin, nenhum elfo daquele reino se dispôs a entrar em combate aberto; mas, de modo sorrateiro e em emboscadas, com feitiços e dardos envenenados, perseguiam todos os desconhecidos, esquecendo-se dos laços de parentesco.

Caíram assim do nível de liberdade e bravura dos elfos de tempos idos, e sua terra se anuviou.

E agora murmuravam que o filho de Finarfin não era como um Vala para comandá-los, e desviavam dele o olhar. No entanto, a maldição de Mandos abateu-se sobre os irmãos, e pensamentos sinistros surgiram em seus corações, no sentido de mandar Felagund sozinho para a morte e usurpar, se possível, o trono de Nargothrond; pois eles eram da linhagem do primogênito dos príncipes dos noldor.

E Felagund, vendo-se abandonado, tirou da cabeça a coroa de prata de Nargothrond e a lançou aos pés.

- Seus votos de lealdade a mim, vocês podem quebrar, mas eu devo cumprir meu Juramento.

Porém, se existir um elfo sobre quem a sombra de nossa maldição ainda não tenha caído, eu deveria encontrar pelo menos alguns que me acompanhem e não sair daqui como um mendigo que é expulso dos portões. - Houve então dez que ficaram a seu lado; e seu líder, que se chamava Edrahil, abaixou-se, ergueu a coroa e pediu que ela fosse entregue a um regente até o retorno de Felagund.

- Pois o senhor é meu rei, e rei deles, não importa o que aconteça.

Felagund então deu a coroa de Nargothrond a Orodreth, seu irmão, para governar em seu lugar.

E Celegorm e Curufin nada disseram, mas sorriram e se foram dos salões Num entardecer de outono, Felagund e Beren partiram de Nargothrond com seus dez companheiros; e seguiram pela margem do Narog até sua origem, nas Quedas de Ivrin. Aos pés das Montanhas Sombrias, depararam com uma companhia de orcs e mataram todos eles em seu acampamento à noite, tomando-lhes trajes e armas. Pelas artes de Felagund, seus próprios rostos e formas foram transformados para terem a aparência dos orcs. E, assim disfarçados, avançaram muito pela estrada na direção norte e se arriscaram a entrar na passagem ocidental, entre as Ered Wethrin e os planaltos da Taur-nu-Fuin. Sauron em sua torre percebeu, porém, sua presença, e a dúvida o dominou. É que eles seguiam apressados e não paravam para relatar seus feitos, como era exigido de todos os servos de Morgoth que passassem por ali. Por esse motivo, ordenou uma emboscada contra eles para que os trouxessem à sua presença.

Assim sucedeu o combate entre Sauron e Felagund, que é famoso. Pois Felagund lutou com Sauron em canções de poder, e o poder do Rei era imenso; mas Sauron saiu vencedor, como está relatado na Balada de Leithian.



Ele entoou uma canção de magia,

De violação, abertura, falsidade,

De revelação, descoberta, traição.

Felagund então, de repente,

Respondeu com uma canção de firmeza,

De resistência, de luta contra o poder,

De segredos guardados, de força de torres,

De fiel confiança, liberdade, fuga;

De mudanças e transformações,

De ciladas evitadas, armadilhas quebradas,

De prisões que se abrem, correntes que se rompem.

De um lado para o outro, balançava a canção.

Cambaleando e afundando, à medida que o canto Crescia,

Felagund lutava,

E toda a magia e o poder dos elfos

Ele trazia a suas palavras.

Baixinho, na penumbra, ouviram-se as aves

Cantando ao longe em Nargothrond,

O suspiro do Oceano mais além,

Além do mundo ocidental, na areia,

Na areia de pérolas na Terra Élfica.

Então as trevas se fecharam; cresceu a escuridão

Em Valinor, o sangue rubro escorreu

Ao lado do Oceano, onde os Noldor mataram

Os Cavaleiros das Ondas e lhes roubaram

Os barcos alvos de velas brancas

Dos portos iluminados. O vento assobia.

O lobo uiva Os coruos fogem.

O gelo resmunga nas bocas do Mar.

Os presos choram. Tristes, em Angband.

Ronca o trovão; arde o fogo.



E Finrod caiu diante do trono

Sauron, então, lhes arrancou os disfarces; e eles ficaram diante dele, nus e cheios de medo.

Contudo, embora sua espécie estivesse revelada, Sauron não conseguiu descobrir seus nomes ou seus objetivos

Jogou-os portanto num profundo calabouço, escuro e silencioso, sob a ameaça de matá-los com crueldade, se não lhe revelassem a verdade. De vez em quando, eles viam dois olhos acesos na escuridão, e um lobisomem devorava um dos companheiros; mas nenhum traiu seu senhor.

No momento em que Sauron jogou Beren no calabouço, um peso apavorante abateu-se sobre o coração de Lúthien. E, procurando a opinião de Melian, soube que Beren estava nas masmorras de Tol-in-Gaurhoth sem esperanças de ser salvo. Lúthien, então, ao perceber que nenhum auxílio poderia vir de mais ninguém na Terra, decidiu fugir de Doriath e ir ela mesma até ele; mas procurou a ajuda de Daeron, e ele denunciou seu objetivo ao Rei. Encheu-se então Thingol de medo e espanto; e, como não quisesse privar Lúthien da luz do firmamento, para que ela não fraquejasse e definhasse, mas mesmo assim desejasse retê-la, mandou construir uma casa da qual ela não pudesse fugir. Não muito longe dos portões de Menegroth, ficava a mais alta de todas as árvores na Floresta de Neldoreth; e era uma floresta de faias e ocupava a metade norte do reino. Essa faia enorme chamava-se Hírilorn e tinha três troncos, de circunferência igual, de casca lisa e extremamente altos. Deles não saía nenhum galho até grande altura do chão. Lá no alto, entre os ramos de Hírilorn, foi construída uma casa de madeira, onde Lúthien foi obrigada a permanecer. E as escadas foram retiradas e guandadas, para serem usadas apenas quando os servos de Thingol, lhe trouxessem algo que lhe fosse necessário.

A Balada de Leithian conta como Lúthien escapou da casa em Hírilorn. Ela acionou suas artes de encantamento e fez com que seus cabelos crescessem até um comprimento enorme. Com eles, teceu um manto escuro que envolvia sua beleza como uma sombra; e esse manto também estava carregado com o encanto do sono. Dos fios que sobraram, ela fez uma corda que deixou suspensa da janela. Quando a ponta começou a balançar diante dos guardas que vigiavam ao pé da árvore, eles caíram em sono profundo. Lúthien então desceu de sua prisão e, envolta no manto de sombras, escapou de todos os olhares, desaparecendo de Doriath.

Sucedeu que Celegorm e Curufin foram caçar na Planície Protegida. E faziam isso porque Sauron, cheio de suspeitas, mandara muitos lobos para as terras dos elfos. Por isso, levaram seus cães e saíram cavalgando. Achavam que, antes de retornar, poderiam também ouvir alguma notícia do Rei Felagund. Ora, o líder dos cães de caça que acompanhavam Celegorm era Huan. Ele não havia nascido na Terra-média, mas vinha do Reino Abençoado. Oromë o dera a Celegorm muito tempo antes, em Valinor; e lá ele seguia a trompa de seu dono, antes que o mal chegasse. Huan acompanhou Celegorm no exílio e lhe era fiel. Assim, ele também ficou sujeito à condenação de desgraças imposta aos noldor; e sua sina era encontrar a morte, mas só quando estivesse diante do lobo mais forte que já tivesse pisado no mundo.

Foi Huan quem encontrou Lúthien voando como uma sombra surpreendida pela luz do dia sob as árvores, quando Celegorm e Curufin descansavam um pouco, perto dos limites ocidentais de Doriath. Pois nada escapava à visão e ao faro de Huan, nem encantamento nenhum conseguia detê-lo; e ele não dormia, nem de dia nem à noite. Huan levou-a a Celegorm; e Lúthien, ao saber que ele era um príncipe dos noldor e inimigo de Morgoth, alegrou-se. Ela então se declarou, pondo de lado seu manto. Tão grande era sua súbita beleza, revelada à luz do Sol, que Celegorm se apaixonou; mas disse que ela era bela e prometeu que encontraria ajuda na necessidade, se voltasse com ele para Nargothrond. De nenhuma forma, ele revelou já ter conhecimento de Beren e de sua demanda, da qual ela lhe falou, nem que essa questão o tocasse de perto.

Interromperam a caçada, voltaram para Nargothrond; e Lúthien foi traída, pois eles a puseram em cativeiro, tiraram-lhe o manto e não lhe deram permissão para passar dos portões ou dirigir a palavra a ninguém a não ser aos irmãos, Celegorm e Curufin. Pois agora, na crença de que Beren e Felagund eram prisioneiros sem esperança de resgate, os dois tinham a intenção de deixar o Rei perecer, manter Lúthien oculta e forçar Thingol a conceder a mão dela a Celegorm. Assim, eles aumentariam seu poder e se tornariam os mais poderosos dos príncipes dos noldor. E não pretendiam retomar as Silmarils por astúcia ou guerra nem permitir que outros o fizessem, enquanto não tivessem nas mãos todo o poder dos reinos élficos. Orodreth não tinha forças para lhes oferecer resistência, já que eles influenciavam os corações do povo de Nargothrond. E Celegorm enviou mensageiros a Thingol para apresentar seu pedido de casamento.

No entanto, Huan, o cão, era fiel em seu coração, e o amor por Lúthien o atingira no momento de seu encontro; e ele se condoía por seu cativeiro. Por isso, vinha com freqüência a seus aposentos; e à noite deitava-se diante de sua porta, pois sentia que o mal havia chegado a Nargothrond. Lúthien costumava falar com Huan em sua solidão, contando-lhe histórias de Beren, que era o amigo de todos os pássaros e bichos que não serviam a Morgoth; e Huan entendia tudo o que era dito. É que Huan compreendia a fala de todos os que tinham voz; mas só lhe era permitido falar com palavras três vezes antes de morrer.

Ora, Huan maquinou um plano para ajudar Lúthien; e, chegando a certa hora da noite, ele lhe trouxe seu manto e, pela primeira vez, falou, dando-lhe conselhos. Conduziu-a então por; trilhas secretas que saíam de Nargothrond, e os dois fugiram juntos. E Huan conteve seu orgulho e permitiu que ela montasse-se nele como num corcel, exatamente como os orcs faziam às vezes com lobos enormes. Desse modo, eles alcançaram grande velocidade, pois Huan era rápido e incansável.

Nas masmorras de Sauron estavam Beren e Felagund, e todos os seus companheiros agora estavam mortos. Sauron, porém, pretendia guardar Felagund para o final, já que percebia que ele era um noldo de grande poder e sabedoria, e achava que com ele estava o segredo da missão. Contudo, quando o lobo veio pegar Beren, Felagund fez atuar todo o seu poder e arrebentou os ferros que o prendiam; lutou com o lobisomem e o matou com as mãos e os dentes. No entanto, ele mesmo recebeu ferimentos mortais. Falou, então, a Beren.

- Vou agora para meu longo descanso nos palácios eternos do outro lado do mar e das Montanhas de Aman. Vai demorar muito até eu voltar a ser visto entre os noldor; e pode ser que não nos encontremos de novo na vida ou na morte, pois os destinos de nossos povos são separados. Adeus! - E morreu ali na escuridão, em Tol-in-Gaurhoth, cuja torre imensa ele mesmo havia construído Assim, o Rei Finrod Felagund, o mais belo e mais amado da Casa de Finwë, cumpriu seu Juramento; mas Beren chorava a seu lado em desespero.

Nessa hora, chegou Lúthien e, parada sobre a ponte que levava para a ilha de Sauron, entoou uma canção que nenhuma muralha de pedra poderia encobrir. Beren ouviu, e acreditou estar sonhando, pois as estrelas brilhavam no céu e nas árvores os rouxinóis cantavam. E em resposta ele cantou um hino de desafio que havia composto em louvor às Sete Estrelas, a Foice dos Valar, que Varda pendurou nos céus acima do norte, como um símbolo da queda de Morgoth. Então, todas as forças o deixaram e ele caju na escuridão.

Lúthien, porém, ouviu sua voz em resposta e entoou uma canção de poder ainda maior. Os lobos uivaram, e a ilha tremeu. Sauron estava parado na torre alta, envolto em pensamentos sinistros. Mas sorriu ao ouvir sua voz, pois sabia que era a filha de Melian. A fama da beleza de Lúthien e o fascínio de sua música havia muito eram conhecidos fora de Doriath; e ele pensou em capturá-la para entregá-la ao poder de Morgoth, pois sua recompensa seria enorme.

Mandou, portanto, um lobo até a ponte. Mas Huan o abateu em silêncio. Mesmo assim, Sauron enviou outros, um a um e um a um Huan os apanhava pela garganta e os matava. Então Sauron mandou Draugluin, uma fera terrível, experiente no mal, senhor e pai dos lobisomens de Angband. Seu poder era tremendo; e o combate entre Huan e Draugluin foi longo e feroz.

Contudo, afinal, Draugluin escapou e, fugindo de volta para interior da torre, morreu aos pés de Sauron.

- Huan está lá! - disse a seu mestre enquanto morria.

Ora, Sauron bem conhecia, como todos naquela terra, o destino que estava determinado para o cão de Valinor, e lhe ocorreu que ele mesmo seria o instrumento desse destino. Assumiu, portanto, a forma de um lobisomem e se fez o mais poderoso que já havia pisado no mundo. E se apresentou para conquistar a passagem da ponte.

Foi tal o horror de sua chegada, que Huan saltou de lado. Sauron, então, atacou Lúthien; e ela desmaiou diante da ameaça do espírito cruel em seus olhos e do vapor imundo de seu hálito.

Mas, enquanto ele vinha, ela, ao cair, lançou uma dobra de seu manto escuro diante dos olhos do agressor. E ele tropeçou, pois uma sonolência passageira o acometeu. Então Huan atirou-se.

Ocorreu assim a luta entre Huan e o Lobo-Sauron. Os uivos e os latidos ecoaram nas colinas, e os vigias nas muralhas das Ered Wethrin do outro lado do vale ouviram tudo de longe e se admiraram.

Contudo, nem feitiço nem encanto, nem garra nem veneno, nem arte demoníaca nem força animal, nada conseguiu derrubar: Huan de Valinor. E ele pegou o adversário pela garganta e o dominou. Sauron, então, mudou de forma, de lobo para serpente, e de monstro para sua forma costumeira, mas não conseguiu se livrar de Huan sem abandonar totalmente seu corpo. Antes que seu espírito imundo deixasse sua casa sinistra, Lúthien veio até ele e disse que ele perderia sua vestimenta de carne, e seu espectro seria mandado trêmulo de volta a Morgoth.

- Lá para todo o sempre – disse-lhe Lúthien – teu eu nu suportará o tormento do escárnio de Morgoth e será perfurado pelos seus olhos, a menos que me cedas o comando de tua torre; Sauron então se rendeu, e Lúthien assumiu o comando da ilha e de tudo o que ali se encontrava.

E Huan o libertou. De imediato, Sauron assumiu a forma de um vampiro, imenso como uma nuvem escura que encobre a lua, fugiu, gotejando sangue da garganta sobre as árvores, e foi para a Taur-nu-Fuin, onde permaneceu, enchendo a região de horror.

Lúthien postou-se então na ponte e declarou seu poder. E foi quebrado o encantamento que prendia uma pedra à outra, os portões foram derrubados, as paredes se abriram e as masmorras foram expostas. Muitos escravos e prisioneiros surgiram, espantados e desnorteados, protegendo os olhos do pálido luar, pois haviam permanecido muito tempo nas trevas de Sauron. Beren, porém, não apareceu. Lúthien e Huan, portanto, procuraram por ele na ilha; e Lúthien o encontrou chorando junto a Felagund. Tão profunda era sua dor, que ele estava imóvel e não ouviu os passos de Lúthien. Nesse instante, com a impressão de que ele já estava morto, ela o abraçou e caiu num esquecimento sombrio. Beren, porém, voltando das profundezas do desespero para a luz, a levantou; e os dois mais uma vez se fitaram. E o Sol que nascia por trás das colinas escuras brilhou sobre eles.

Enterraram o corpo de Felagund no topo da colina de sua própria ilha, e ela voltou a ser pura. E o túmulo verdejante de Finrod, filho de Finarfin, o mais belo de todos os príncipes dos elfos, permaneceu inviolado, até a terra mudar e se partir, soçobrando sob mares de destruição.

Finrod, porém, caminha com Finarfin, seu pai, à sombra das árvores em Eldamar.

Ora, Beren e Lúthien Tinúviel estavam livres novamente e juntos caminharam pelos bosques, renovando por algum tempo sua alegria. E, embora chegasse o inverno, ele não os prejudicou, pois as flores continuavam onde quer que Lúthien fosse, e as aves cantavam ao pé das colinas nevadas. Huan, porém, sendo fiel, voltou a Celegorm, seu dono. Contudo, o amor entre os dois era menor do que antes.

Houve tumulto em Nargothrond. Pois para lá agora retornavam muitos elfos que haviam sido prisioneiros na ilha de Sauron. Ergueu-se então um clamor que nenhuma palavra de Celegorm conseguia calar. Todos lamentavam amargamente a queda de Felagund, seu rei, dizendo que uma donzela havia ousado o que os filhos de Fëanor não tinham tido coragem de fazer. No entanto, muitos perceberam que fora mais a traição que o medo que havia guiado Celegorm e Curufin. Com isso, os corações do povo de Nargothrond foram libertados de seu domínio e se voltaram mais uma vez para a Casa de Finarfin. E prestaram obediência a Orodreth. Este, no entanto, não permitiu que assassinassem os irmãos, como desejavam alguns, pois o derramamento de sangue de parentes fecharia ainda mais o cerco da maldição de Mandos em tomo de todos eles. Mesmo assim, nem pão, nem descanso, dispôs-se ele a conceder a Celegorm e Curufin nos limites de seu reino; e jurou que pouco amor deveria haver entre Nargothrond e os filhos de Fëanor daí em diante.

- Que seja assim! - disse Celegorm, e havia uma luz de desafio em seus olhos, mas Curufin sorriu. Montaram então a cavalo e partiram como labaredas, para encontrar, se conseguissem, seus parentes no leste. Ninguém, entretanto, quis ir com eles, nem mesmo aqueles que eram de sua própria linhagem. Pois todos percebiam que a maldição pesava sobre os irmãos, e que o mal os acompanhava. Nessa ocasião, Celebrimbor, filho de Curufin, repudiou os atos do pai e permaneceu em Nargothrond. Huan, porém, ainda acompanhou o cavalo de Celegorm, seu dono.

Para o norte seguiram, já que em sua pressa pretendiam passar através de Dimbar e ao longo dos limites setentrionais de Doriath, em busca do caminho mais rápido até Himring, onde morava Maedhros, seu irmão. E ainda assim poderiam esperar atravessar a região rapidamente, já que ela ficava próxima das fronteiras de Doriath, evitando passar por Nan Dungortheb e pela ameaça distante das Montanhas do Terror.

Ora, diz-se que Beren e Lúthien em sua caminhada entraram na Floresta de Brethil e afinal se aproximaram das fronteiras de Doriath Beren, então, pensou no seu voto. E, já que Lúthien estava novamente na segurança de sua própria terra, Beren resolveu a contragosto partir novamente. Ela, entretanto, não se dispunha a voltar a se separar dele.

- Beren – disse ela -, você precisa escolher entre dois caminhos: abandonar a busca e o juramento, e procurar uma vida de nômade sobre a face da terra; ou cumprir a palavra dada e desafiar o poder das trevas em seu trono. Seja no caminho que for, irei com você, e nosso destino será semelhante.

Quando estavam falando desses assuntos, caminhando sem prestar atenção a mais nada, Celegorm e Curufin se aproximaram a cavalo, vindo apressados pela floresta. Os irmãos os viram e reconheceram de longe. Celegorm então virou seu cavalo e o esporeou para cima de Beren, com o intento de atropelá-lo; já Curufin, desviando-se, inclinou-se e levantou Lúthien até sua sela, pois era forte e hábil cavaleiro. Beren, porém, saltou de onde estava diante de Celegorm, caindo direto sobre o cavalo de Curufin, que havia passado por ele correndo. E o Salto de Beren é famoso entre homens e elfos. Ele pegou Curufin pela garganta, por trás, e o puxou, de modo que os dois caíram ao chão juntos. O cavalo empinou e tombou, mas Lúthien foi atirada para o lado, caindo deitada na relva.

Beren estrangulava Curufin, mas a morte estava próxima dele, pois Celegorm o atacou com uma lança. Nessa hora, Huan abandonou o serviço a Celegorm e investiu contra ele, de modo que seu cavalo saiu de lado e se recusava a chegar perto de Beren por pavor do enorme cão.

Celegorm amaldiçoou tanto o cão quanto o cavalo, mas Huan não se comoveu. Então, Lúthien, erguendo-se, impediu o assassinato de Curufin; mas Beren lhe confiscou os arreios e armas, ficando também com sua faca Angrist. Essa faca fora feita por Telchar de Nogrod, e estava pendurada sem bainha à sua cintura. Ela cortava o ferro como se fosse madeira verde. Beren levantou Curufin do chão e o atirou longe, dizendo-lhe que voltasse andando para seus nobres parentes, que poderiam ensiná-lo a dedicar sua valentia a tarefas mais dignas.

- Seu cavalo fica comigo, para ser montado por Lúthien, e ele deve se considerar feliz por se ver livre de um dono desses.

Curufin amaldiçoou, então, Beren sob as nuvens e os céus.

- Vá embora daqui para uma morte rápida e cruel – disse Celegorm apanhou-o em seu cavalo, e os irmãos fingiram ir embora. Beren virou-lhes as costas e não deu atenção a suas palavras.

Curufin, porém, cheio de vergonha e maldade, pegou o arco de Celegorm e atirou enquanto seguiam em frente; e a flecha tinha Lúthien como alvo. Huan, de um salto, apanhou-a com a boca. Curufin, porém, atirou novamente, e Beren pulou diante de Lúthien, recebendo a flechada no peito.

Diz-se que Huan perseguiu os filhos de Fëanor, que fugiram temerosos. E, ao voltar, ele trouxe para Lúthien uma erva da floresta. Com essa folha, ela estancou o ferimento de Beren, e com sua magia e seu amor o curou. Assim, afinal, os dois voltaram para Doriath. Ali, Beren, dilacerado pelo dilema entre seu juramento e seu amor, e consciente de que Lúthien agora estava a salvo, despertou um dia antes do amanhecer e a entregou aos cuidados de Huan. Em seguida, muito angustiado, partiu enquanto ela ainda dormia na relva.

Seguiu novamente para o norte a toda a velocidade até o Passo do Sirion; e, chegando às fronteiras da Taur-nu-Fuin, contemplou as terras ermas de Anfauglith e viu ao longe os picos das Thangorodrim. Ali dispensou o cavalo de Curufin e pediu que ele esquecesse o pavor e a servidão e corresse em liberdade pela campina verde nas terras de Sirion. Então, estando agora só e no portal do perigo final, compôs a Canção da Despedida, em louvor a Lúthien e às luzes do firmamento, pois acreditava que deveria se despedir tanto do amor quanto da luz. E dessa canção faziam parte as seguintes palavras:



Adeus, doce terra e céu do norte,

eternamente abençoados, pois aqui esteve

e aqui com passos ágeis correu

à luz da Lua, à luz do Sol

Lúthien Tinúviel

mais bela do que pode dizer a língua dos mortais.

Mesmo que o mundo caia em ruínas

que se dissolva e seja lançado de volta

desfeito no caos primordial,

ainda assim foi boa sua criação...

o anoitecer, o amanhecer, a terra, o mar...

para que Lúthien por um tempo existisse.



E ele cantou em voz alta, sem se importar com os ouvidos que o pudessem escutar, pois estava desesperado e não procurava escapar.

Lúthien, porém, ouviu a canção e cantou em resposta enquanto chegava pelos bosques, inesperada. Pois Huan, consentindo mais uma vez em ser sua montaria, a trouxera veloz atrás dos passos de Beren. Muito havia o cão ponderado em seu íntimo sobre que decisão tomar para atenuar o perigo desses dois seres que amava. Desviou-se portanto para a ilha de Sauron, enquanto corria novamente para o norte, e dali tirou os apavorantes adereços de lobo de Draugluin e a pele de morcego de Thuringwethil. Ela era mensageira de Sauron e costumava voar sob a forma de vampiro até Angband; e suas enormes asas providas de dedos eram guarnecidas na extremidade de cada articulação com uma garra de ferro. Trajando esses terríveis disfarces, Huan e Lúthien atravessaram a Taur-nu-Fuin, e tudo fugia diante deles.

Beren, ao ver sua aproximação, ficou aflito; e intrigado, pois ouvira a voz de Tinúviel, e agora acreditava que fosse um espectro para o atrair. Contudo, os dois pararam, puseram de lado os disfarces, e Lúthien correu na sua direção. Assim, Beren e Lúthien mais uma vez se encontraram entre o deserto e o bosque. Por um tempo, ele permaneceu em silêncio e se sentia feliz; mas depois novamente lutou para dissuadir Lúthien da viagem.

- Três vezes amaldiçoado seja meu juramento a Thingol! - disse ele – e eu preferiria que ele me tivesse matado em Menegroth a ter de levá-la para as trevas de Morgoth.

Então, pela segunda vez, Huan falou com palavras, dando conselhos a Beren.

- Da sombra da morte, você não poderá mais salvá-la, pois Lúthien, por seu amor, agora está sujeita a ela. Você pode se desviar de seu destino e levá-la para o exílio, procurando a paz em vão enquanto durar sua vida. Porém, se não renunciar a seu destino, então ou Lúthien, abandonada, morrerá sozinha, ou deverá enfrentar com você a sina que o espera, desditosa, embora não definida. Maiores conselhos não posso dar, nem poderei acompanhá-los mais na estrada. Meu coração prevê, entretanto, que o que encontrarem no Portão eu mesmo verei.

Tudo o mais me é desconhecido. E, no entanto, pode ser que nossos três caminhos levem de volta a Doriath e que nos encontremos antes do fim.

Percebeu, então Beren que Lúthien não podia ser apartada do fardo que cabia a eles dois; e parou de tentar dissuadi-la. Por recomendação de Huan e pela magia de Lúthien, passou a usar a forma de Draugluin, e ela, a pele alada de Thunngwethil. Beren tornou-se sob todos os aspectos semelhante a um lobisomem, só que em seus olhos brilhava um espírito cruel, de fato, mas limpo. E havia horror em seu olhar quando ele viu em seu flanco uma criatura igual a um morcego, que se agarrava a ele com as asas recolhidas. E então, uivando para a lua, desceu a colina aos saltos, enquanto o morcego dava voltas e esvoaçava acima dele.

Passaram por todos os perigos, até chegar, empoeirados do percurso longo e cansativo, à várzea lúgubre que se estendia diante do Portão de Angband. Negros precipícios abriam-se ao lado da estrada, de onde saíam formas como as de serpentes a se contorcer. De ambos os lados, erguiam-se rochedos como muralhas fortificadas, e sobre eles aves carniceiras soltavam gritos com vozes cruéis. À sua frente, estava o Portão inexpugnável, um arco largo e escuro aos pés da montanha. Acima do portão, um paredão de trezentos metros de altura Ali foram dominados pelo desânimo, pois junto ao portão estava um guarda de quem nunca se tivera notícia. Chegaram aos ouvidos de Morgoth rumores de intenções dele desconhecidas que se espalhavam entre os príncipes dos elfos; e pelas trilhas da floresta ouviam-se os latidos de Huan, o grande cão de guerra. Que os Valar haviam criado tanto tempo atrás. Recordou-se então Morgoth da sina de Huan e escolheu um dos filhotes da raça de Draugluin. Alimentou-o com a própria mão, sempre com carne viva e passou seu poder a ele. O lobo cresceu rapidamente até não conseguir se enfiar em nenhuma cova, mas permanecia deitado, enorme e faminto, aos pés de Morgoth. Ali, as fogueiras e as agonias do inferno nele se impregnaram, e ele foi tomado por um espírito devorador. Atormentado, terrível e forte. Carcharoth, o Goela Vermelha, ele é chamado no relato daqueles tempos; e Anfauglir, Mandíbulas Sedentas. E Morgoth ordenou que ficasse insone diante dos portões de Angband, para a eventualidade de Huan aparecer.

Ora, Carcharoth divisou-os de longe e se encheu de dúvidas. Pois, havia muito tempo, notícias chegaram a Angband de que Draugluin estava morto. Logo, quando eles se aproximaram, foilhes negada entrada. Carcharoth mandou que parassem e se aproximou, ameaçador, farejando algo de estranho no ar em torno deles. De repente, porém, algum poder, vindo de outrora, herança de alguma raça divina, se apossou de Lúthien. E, afastando seu disfarce imundo, ela se apresentou, pequena diante da força de Carcharoth, mas radiante e terrível. Erguendo a mão, ela lhe ordenou que dormisse.

- Ó espírito criado pelo mal, cai agora em total esquecimento e ignora por algum tempo o apavorante fardo da vida – E Carcharoth tombou, como se atingido por um raio.

Beren e Lúthien entraram, então, pelo Portão, e desceram pelas escadarias labirínticas. E juntos realizaram o maior feito jamais ousado por elfos ou homens. É que chegaram ao trono de Morgoth no salão mais profundo de todos, sustentado pelo horror, iluminado pelo fogo e repleto de armas de morte e tortura. Ali, Beren, na forma de lobo, esgueirou-se para baixo do trono; mas Lúthien foi despida do disfarce pela vontade de Morgoth, que voltou seu olhar para ela. Ela não se intimidou com os olhos de Morgoth. Disse seu nome e se ofereceu para cantar diante dele, como se fosse um menestrel. Morgoth, então, contemplando sua beleza, concebeu em pensamento um desejo maligno e um plano mais sinistro do que qualquer outro que lá passara par seu coração desde sua fuga de Valinor. Com isso, foi traído por sua própria maldade, pois ficou a observá-la, deixando-a livre por um instante e se deleitando com sua idéia. De repente, então, ela escapou de sua visão e, das sombras, começou uma canção de beleza tão insuperável e de tamanho poder de encantamento, que ele foi forçado a escutar. E uma cegueira se abateu sobre ele, enquanto seus olhos passavam de um lado para o outro, à procura de Lúthien.

Toda a cone foi lançada no mesmo sono, e todas as fogueiras ficaram mais fracas e se apagaram; mas as Silmarils que estavam na coroa na cabeça de Morgoth refulgiram de repente com o brilho de uma chama branca. E o fardo daquela coroa e das pedras preciosas fez pender sua cabeça, como se o mundo estivesse nela engastado, sobrecarregada com o peso da preocupação, do medo e do desejo, que nem mesmo a vontade de Morgoth poderia sustentar.

Lúthien, então, apanhando seu manto alado, saltou para o ar, e sua voz caía em gotas como a chuva em lagoas profundas e escuras. Ela passou o manto pelos olhos de Morgoth e o fez ter um sonho, escuro como o Vazio de Fora, onde no passado ele vagara sozinho. De súbito, ele caiu como uma colina deslizando em avalanche e desmoronou como o trovão de cima do trono, jazendo de bruços no piso do inferno. A coroa de ferro rolou de sua cabeça, ruidosa. Tudo o mais estava imóvel.

Como um bicho morto, Beren estava deitado no chão; mas Lúthien o acordou com um toque da mão, e ele se desfez do disfarce de lobo. Depois, sacou a faca Angrist e, das garras de ferro que a prendiam, arrancou uma Silmaril

Quando a guardou na mão fechada, o brilho atravessou sua carne viva, e sua mão parecia ser uma lamparina acesa; mas a pedra aceitava seu toque sem o ferir. Ocorreu então a Beren superar seu juramento e levar de Angband todas as três Jóias de Fëanor, mas não era essa a sina das Silmarils. A faca Angrist estalou, e um estilhaço da lâmina voou e atingiu o rosto de Morgoth. Ele deu um gemido e se mexeu, e toda a hoste de Angband se agitou no sono.

O pavor dominou então Beren e Lúthien; e os dois fugiram, desatentos e sem disfarce, desejando apenas voltar a ver a luz. Não foram nem detidos nem perseguidos, mas o Portão estava fechado para impedi-los de sair. Pois Carcharoth havia despertado e agora estava em pé, furioso, na soleira de Angband. Antes que se dessem conta dele, ele os viu e os atacou enquanto corriam.

Lúthien estava exausta e não teve tempo nem forças para enfrentar o lobo. Já Beren avançou adiante dela e, na mào direita, segurava no alto a Silmaril. Carcharoth parou e, por um instante, sentiu medo.

- Vá embora daqui, voando! - gritou Beren – pois este é um fogo que consumirá você e todos os seres nefastos. - E empurrou a Silmaril para perto dos olhos do lobo.

Carcharoth, porém, contemplou aquela jóia sagrada e não se intimidou; e o espírito devorador que tinha dentro de si despertou com súbito ânimo. E, abrindo a boca, ele de repente prendeu a mão entre as mandíbulas, decepando-a na altura do pulso. De imediato todas as suas entranhas se encheram de um fogo de agonia, e a Silmaril rasgava sua carne amaldiçoada. Aos uivos, Carcharoth fugiu deles, e os paredões do vale do Portão reverberavam o clamor de seu tormento. Ele se tornou tão terrível em sua loucura, que todas as criaturas de Morgoth que habitavam aquele vale, ou estavam em qualquer das estradas que para ali levavam, fugiram para longe. Pois ele matava qualquer ser vivo que estivesse no caminho e irrompeu violento do norte, trazendo destruição para o mundo. De todos os terrores que um dia chegaram a Beleriand antes da queda de Angband, a loucura de Carcharoth foi o mais apavorante; pois o poder da Silmaril estava oculto dentro dele.

Ora, Beren jazia desmaiado do lado de dentro do perigoso Portão, e a morte dele se aproximava, pois havia veneno nas presas do lobo. Lúthien chupou o veneno com os lábios e fez atuar seu poder debilitado para estancar o ferimento horrendo. No entanto, por trás dela, nas profundezas de Angband, crescia o ruído de uma cólera enorme. As hostes de Morgoth tinham despertado.

Assim, a demanda da Silmaril podia terminar em destruição e desespero; mas naquele instante, acima do paredão do vale, surgiram três aves poderosas, que voavam na direção norte com asas mais velozes que o vento. Entre todas as aves e bichos, havia sido comentada a peregrinação e necessidade de Beren; e o próprio Huan pedira a todos os seres que ficassem alertas, a fim de prestar-lhe ajuda. Nas alturas, acima do reino de Morgoth, voavam Thorondor e seus vassalos e, vendo então a loucura do Lobo e a queda de Beren, desceram velozes, no momento em que as forças de Angband se livravam das teias do sono.

As aves então levantaram Lúthien e Beren da terra e os levaram para o alto, para o meio das nuvens. Abaixo deles, de repente, estourou o trovão, faíscas saltaram para o alto, e as montanhas sacudiram. As Thangorodrim soltaram fogo e fumaça, e raios flamejantes foram atirados ao longe, para cair sobre as terras, trazendo destruição; e os noldor em Hithlum tremeram. Thorondor, porém. Seguiu uma rota muito acima da Terra, em busca das altas trilhas dos céus, onde o Sol brilha o dia inteiro sem ser encoberto, e a Lua caminha entre as estrelas sem nuvens. Passaram, assim, rapidamente sobre Dor-nu-Fauglith e sobre a Taur-nu-Fuin, chegando a sobrevoar o vale oculto de Tumladen. Lá não havia nem nuvem nem névoa; e, olhando para baixo, Lúthien viu ao longe, como uma luz branca que saía de uma pedra verde, o brilho de Gondolin, a Bela, onde morava Turgon. Lúthien chorava, porém, pois tinha a impressão de que Beren sem dúvida morreria. Ele não dizia palavra, nem abria os olhos; e daí em diante nada saberia de seu vôo. Finalmente, as águias os deixaram junto às fronteiras de Doriath; e os dois acabaram vindo para aquele mesmo vale de onde Beren fugira em desespero, deixando Lúthien adormecida.

Ali as águias a deixaram ao lado de Beren e voltaram para os picos de Crissaegrim e seus altos ninhos. Huan, porém, veio até onde ela estava; e, juntos, eles cuidaram de Beren, exatamente como antes, quando Lúthien o curara do ferimento que Curufin lhe infligira. O ferimento atual, entretanto, era terrível e. Envenenado. Por muito tempo, Beren permaneceu deitado; e seu espírito perambulava pelos limites trevosos da morte, experimentando uma agonia que o perseguia de sonho em sonho. De repente, então, quando a esperança de Lúthien estava quase finda, ele voltou a acordar e ergueu os olhos, vendo as folhas diante do céu. E ouviu sob a folhagem, cantando com voz lenta e suave ao seu lado, Lúthien Tinúviel. E era primavera novamente; Daí para a frente, Beren passou a ser chamado de Ercha-mion, que significa o Maneta; e o sofrimento ficou marcado em seu rosto. Afinal, porém, ele foi trazido de volta para a vida pelo amor de Lúthien. Levantou-se, e juntos os dois caminharam nos bosques mais uma vez. E não se apressaram a sair daquele lugar; pois ele lhes parecia lindo. Na verdade, Lúthien estava disposta a vagar na mata sem voltar, deixando no esquecimento a casa, as pessoas e toda a glória dos reinos élficos; e por um tempo. Beren se contentou. Não conseguiu, porém, ignorar por muito tempo seu juramento de voltar a Menegroth, nem queria esconder Lúthien de Thingol para sempre. Pois ele se guiava pela lei dos homens, que considerava arriscado não dar importância à vontade do pai, a não ser em necessidade extrema. E também lhe parecia incorreto que alguém tão belo e majestoso quanto Lúthien morasse eternamente nos bosques, como os rudes caçadores entre os homens, sem lar, honrarias ou os belos objetos que são a alegria das rainhas dos eldalië. Portanto, pouco depois, ele a persuadiu, e seus passos abandonaram as terras sem abrigo. E Beren entrou em Doriath, levando Lúthien para casa. Era essa a determinação de seu destino.

Sobre Doriath, maus tempos se haviam abatido. A dor e o silêncio acometeram todo o povo quando Lúthien se foi. Muito procuraram por ela, em vão. Diz-se também que, naquela época, Daeron, o menestrel de Thingol, partiu de Doriath e nunca mais foi visto. Era ele quem fazia a música para a dança e o canto de Lúthien, antes que Beren chegasse a Doriath. E Daeron a amava e punha em sua música todo seu pensamento sobre ela. Tornou-se o maior de todos os menestréis dos elfos a leste do Mar, suplantando até mesmo Maglor, filho de Fëanor. Contudo, no desespero da busca por Lúthien, ele vagou por trilhas estranhas e, atravessando as montanhas, entrou para o leste da Terra-média, onde por muitas Eras se lamentou junto a águas escuras por Lúthien, filha de Thingol, a mais bela de todas as criaturas.

Naquela época, Thingol recorreu a Melian, mas ela agora lhe negava seus conselhos, afirmando que a sina criada por ele deveria ser cumprida até o final e que ele deveria dar tempo ao tempo.

Thingol, entretanto, soube que Lúthien muito se afastara de Doriath, pois mensagens chegaram em segredo, provenientes de Celegorm, como já foi dito, dando conta da morte de Felagund e de Beren, mas afirmando que Lúthien estava em Nargothrond e que Celegorm gostaria de desposá-la. Irou-se então Thingol, e enviou espiões, pensando em fazer guerra a Nargothrond; e, com isso, soube que Lúthien mais uma vez fugira, e que Celegorm e Curufin haviam sido expulsos de Nargothrond.

Ficou então em dúvida, pois não tinha força suficiente para atacar os sete filhos de Fëanor, mas enviou mensageiros a Himring para convocar seu auxílio na busca a Lúthien, já que Celegorm não a enviara de volta para a casa do pai nem a mantivera em segurança.

Contudo, no norte de seu reino, os mensageiros depararam com um perigo súbito e inesperado: a investida de Carcharoth, o Lobo de Angband. Em sua loucura voraz, ele viera do norte e, passando afinal pela Taur-nu-Fuin no lado oriental, descera a partir das nascentes do Esgalduin como um fogo destruidor. Nada era obstáculo para ele, e o poder de Melian sobre as fronteiras da Terra não o deteve, pois o que o impelia era o destino, bem como o poder da Silmaril que carregava para seu próprio tormento. Irrompeu, assim, pelos bosques inviolados de Doriath, e todos fugiram apavorados. Dos mensageiros somente escapou Mahlung, comandante-em-chefe do Rei, e ele levou a Thingol a notícia terrível.

Exatamente nessa hora sombria, Beren e Lúthien voltavam do oeste, apressados, e a notícia de sua vinda chegava adiante deles como o som de uma música trazido pelo vento para o interior de casas escuras habitadas por homens melancólicos. Finalmente alcançaram os portões de Menegroth, e uma enorme hoste os seguia. Então, Beren conduziu Lúthien até o trono de Thingol, seu pai, que olhou assombrado para Beren, já que o considerava morto. Mesmo assim, não gostava dele, em decorrência dos males que causara a Doriath Beren, entretanto, ajoelhouse diante do rei.

- Volto, de acordo com a palavra dada. Vim reivindicar meu direito.

- E sua demanda? E seu juramento? - retrucou Thingol.

- Estão cumpridos. Agora mesmo tenho uma Silmaril na mão.

- Mostre-a – disse Thingol

E Beren estendeu a mão esquerda, abrindo lentamente os dedos, mas ela estava vazia. Em seguida, ergueu o braço direito, e a partir daquela hora passou a se chamar Camlost, o Mãovazia.

Abrandou-se então a disposição de Thingol; e Beren sentou diante do trono à esquerda, com Lúthien à direita; e os dois contaram toda a história da Demanda, enquanto todos ouviam, admirados. Pareceu a Thingol que esse homem era diferente de todos os outros homens mortais e que estava entre os maiores de Arda; e que o amor de Lúthien era algo novo e desconhecido.

Percebeu também que seu destino não poderia ser detido por nenhum poder deste mundo. Por conseguinte, acabou cedendo, e Beren tomou a mão de Lúthien diante do trono de seu pai.

Agora, porém, uma sombra se abatia sobre o júbilo de Doriath com o retomo de Lúthien, a Bela. Pois, conhecendo o motivo da loucura de Carcharoth, as pessoas ficaram ainda mais apavoradas, por perceberem que esse perigo estava carregado de um poder tremendo, derivado da jóia sagrada e que dificilmente poderia ser dominado. E Beren, ao saber da violência de Carcharoth, compreendeu que a Demanda ainda não tinha terminado.

Portanto, como a cada dia Carcharoth mais se aproximava de Menegroth, eles prepararam a Caça ao Lobo, a mais perigosa de todas as perseguições a feras de que falam as histórias. Dessa caçada participaram Huan, o Cão de Valinor, Mablung Mão-pesada, Beleg Arcoforte, Beren Erchamion e Thingol, Rei de Doriath. Partiram a cavalo pela manhã e atravessaram o Rio Esgalduin. Lúthien, entretanto, ficou para trás, junto aos portões de Menegroth. Uma sombra sinistra caiu sobre ela, e sua impressão era que o Sol adoecera e se tornara negro.

Os caçadores voltaram-se para o leste e para o norte e, acompanhando o curso do rio, deram afinal com Carcharoth, o Lobo, num vale sombrio, lá para as bandas do norte, onde o Esgalduin caía em torrente em cataratas íngremes. Ao pé das cataratas, Carcharoth bebia para aliviar a sede que o consumia e uivou. E com isso eles perceberam sua presença. Ele, no entanto, ao observar sua aproximação, não investiu para atacá-los de repente. Talvez a astúcia demoníaca de seu coração tivesse despertado, já que ele por um instante mitigara sua dor com a doce água do Esgalduin. Enquanto vinham em sua direção, ele se esgueirou para um lado para o meio de um denso matagal e ali se escondeu. Eles, porém, montaram guarda em todo o lugar e esperaram, enquanto as sombras se alongavam na floresta.

Beren estava parado junto a Thingol, e de súbito eles perceberam que Huan havia deixado a posição a seu lado. Então, da moita vieram latidos fortíssimos; pois Huan, tendo ficado impaciente e desejoso de dar uma olhada nesse lobo, entrara sozinho na moita para tirá-lo de lá.

Carcharoth, porém, evitou-o irrompendo por entre os espinhos, saltou de repente sobre Thingol. Beren, veloz, postou-se diante dele com uma lança, mas Carcharoth desviou e o derrubou, mordendo-lhe o peito. Nesse momento, Huan saltou da moita sobre as costas do Lobo, e os dois caíram juntos em luta feroz. Nenhuma briga de lobo e cão foi como aquela, pois nos latidos de Huan ouvia-se a voz trompas de Oromë e a ira dos Valar, ao passo que nos uivos de Carcharoth estavam o ódio de Morgoth e uma crueldade pior do que dentes de aço. E as rochas se fenderam com esse clamor, caindo do alto e sufocando as cataratas de Esgalduin.

Ali os dois lutaram até a morte; mas Thingol não prestou nenhuma atenção, pois se ajoelhou junto a Beren ao ver que ele estava gravemente ferido.

Naquela hora, Huan matou Carcharoth; mas ali, nos densos bosques de Doriath, sua própria sina, proferida havia tempo, se realizou. Recebeu um ferimento mortal, e o veneno de Morgoth nele penetrou. Então, aproximou-se e, caindo lado de Beren, falou pela terceira vez com palavras. Disse-lhe adeus antes de morrer. Beren nada falou, mas pôs a mão na cabeça do cão, e assim se despediram.

Mablung e Beleg vieram apressados ajudar o Rei, mas quando viram o que acontecera, largaram suas lanças e choraram. Mablung, então, apanhou uma faca e abriu o ventre do Lobo.

E por dentro ele estava praticamente consumido como que por um fogo, mas a mão de Beren que segurava a pedra ainda estava íntegra. Porém, quando Mablung ia tocá-la, a mão desapareceu, e a Silmaril permaneceu ali, descoberta, e sua luz iluminou as sombras da floresta em toda a volta. Então, prontamente e receoso, Mablung segurou a Silmaril e a pôs na mão viva de Beren. E Beren se ergueu pelo contato com a Silmaril, segurou-a no alto e pediu a Thingol que a recebesse.

- Agora completei a Demanda, e minha sina foi cumprida plenamente. - E nada mais falou.

Carregaram Beren Camlost, filho de Barahir, num esquife de galhos com Huan, o cão caçador de lobos, a seu lado. E a noite caiu antes que retornassem a Menegroth. Aos pés de Hírilom, a enorme faia, Lúthien os encontrou, andando com vagar, e alguns seguravam archotes ao lado do esquife. Ali ela abraçou Beren e o beijou, pedindo que esperasse por ela do outro lado do Mar Ocidental; e ele olhou nos olhos dela antes que o espírito o deixasse. Mas a luz das estrelas estava apagada, e as trevas se abateram até mesmo sobre Lúthien Tinúviel. Assim terminou a Demanda da Silmaril; mas a Balada de Leithian (Libertação do Cativeiro) não termina aí.

Pois o espírito de Beren, a pedido de Lúthien, demorou-se nos palácios de Mandos, sem querer deixar o mundo, enquanto Lúthien não viesse para a última despedida nas praias sombrias do Mar de Fora, de onde os homens que morrem partem para nunca mais voltar. Mas o espírito de Lúthien afundou na escuridão e finalmente fugiu, deixando seu corpo como uma flor que é cortada de repente e jaz por um tempo sem murchar na relva.

Então, um inverno, como se fosse a velhice dos homens mortais, abateu-se sobre Thingol.

Lúthien, no entanto, foi aos palácios de Mandos. Onde estão os locais designados para os eldalië, para além das mansões do oeste, nos confins do mundo. Lá, os que esperam, ficam à sombra de seus pensamentos. Contudo, a beleza de Lúthien era maior que a deles; e sua dor, mais profunda. E ela se ajoelhou diante de Mandos e cantou para ele.

Á canção de Lúthien diante de Mandos foi a mais bela canção jamais criada em palavras, e a mais triste que o mundo um dia ouvirá. Inalterada, imperecível, ela ainda é cantada em Valinor, longe dos ouvidos do mundo, e, ao ouvi-la, os Valar se entristecem. Pois Lúthien reuniu dois temas de palavras, a tristeza dos eldar e o pesar dos homens, das Duas Famílias criadas por Ilúvatar para habitar em Arda, o Reino da Terra, em meio às estrelas incontáveis. E, enquanto estava ajoelhada diante dele, suas lágrimas caíram sobre os pés de Mandos como chuva sobre as pedras. E Mandos se comoveu, ele, que nunca se comovera, desse modo até então, nem depois.

Convocou, portanto, Beren; e, exatamente como Lúthien dissera na hora da sua morte, os dois se encontraram novamente do outro lado do Mar Ocidental. Mandos, porém, não tinha o poder de reter os espíritos dos homens mortos nos confins do mundo, depois de seu tempo de espera.

Nem tinha condições de mudar o destino dos Filhos de Ilúvatar. Dirigiu-se, assim, a Manwë, Senhor dos Valar, que governava o mundo sob a orientação de Ilúvatar. E Manwë procurou uma decisão em seus pensamentos mais íntimos, nos quais a vontade de Ilúvatar se revelasse.

Foram essas as opções que ofereceu a Lúthien. Por seu trabalho e seu penar, ela poderia sair de Mandos e ir para Valimar, para ali permanecer até o final dos tempos entre os Valar, esquecendo todas as tristezas que conhecera em vida. Para lá, Beren não poderia ir. Pois aos Valar não era permitido deter a Morte, que é o presente de Ilúvatar aos homens. Já a outra escolha era a seguinte: ela poderia voltar para a Terra-média, levando Beren junto, para voltar a lá viver, mas sem certeza da vida ou da alegria. Nesse caso, ela se tornaria mortal, e seria sujeita a uma segunda morte, exatamente como ele. E, antes que se passasse muito tempo, ela deixaria o mundo para sempre; e sua beleza se tornaria apenas uma lembrança em versos.

Esse destino ela escolheu, abandonando o Reino Abençoado, e deixando de lado todos os direitos ao parentesco com os que ali moravam. Que, assim, qualquer que fosse a desgraça que os aguardasse, as sinas de Beren e Lúthien pudessem estar unidas; e que seus caminhos seguissem juntos até os confins do mundo. Por isso é que somente ela de todos os eldalië morreu de fato, e deixou o mundo há muito. Porém, com a escolha que fez, as Duas Famílias se uniram; e ela é antepassada de muitos nos quais os eldar ainda vêem, embora todo o mundo esteja tão mudado, o semblante de Lúthien, a amada, que eles perderam.

Reflexão Momentânea

Nestas terras, o que assistimos não é a infância selvagem do capitalismo, mas a sua cruenta decrepitude. O subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento. É sua conseqüência. O subdesenvolvimento da América Latina provém do desenvolvimento alheio e continua a eliminá-lo. Impotente pela sua função de servidão internacional, moribundo desde que nasceu, o sistema tem nés de barro. Postula a si próprio como destino e gostaria de confundir-se com a eternidade. Toda memória é subversiva porque é diferente. Todo projeto de futuro também. Obrigam zumbi a comer sem sal: o sal, perigoso, poderia despertá-lo. O sistema encontra seu paradigma na imutável sociedade das formigas. Por isto se dá mal com a história dos homens: pelo muito que esta muda. E porque, na história dos homens, cada ato de destrução encontra sua resposta - cedo ou tarde - num ato de criação.

EDUARDO GALEANO Calella, Barcelona,abril de 1978.

terça-feira, 6 de abril de 2010

O GLOBO explica a questão do impasse comercial entre Brasil e EUA

Olá, Pessoal.

Por favor, observem a parte em vermelho.

Abraços
Prof. Geferson

EUA confirmam medidas para evitar retaliação do Brasil


WASHINGTON (Reuters) - Os Estados Unidos vão alterar seu programa de garantia de crédito à exportação e criar um fundo de assistência técnica para tentar encerrar uma disputa comercial com o Brasil envolvendo o algodão, confirmou o governo norte-americano nesta terça-feira.

O acordo foi definido de última hora depois de o Brasil ter recebido autorização da Organização Mundial de Comércio (OMC) para aplicar tarifas e suspender proteções a patentes de bens norte-americanos em um total de 829 milhões de dólares. A OMC tomou a decisão devido aos subsídios ao algodão e garantias de crédito à exportação adotados pelos EUA.
O Brasil já havia anunciado na segunda-feira que decidiu adiar de quarta-feira para 22 de abril a entrada em vigor das medidas retaliatórias depois de receber a proposta dos Estados Unidos para uma solução negociada.
A decisão da OMC foi significativa porque deu ao Brasil o direito de "retaliação cruzada" com a retirada de proteções a patentes sobre produtos farmacêuticos e químicos e de direitos de propriedade intelectual sobre filmes e músicas.
"Nós agora temos um caminho claro pela frente, um que é do melhor interesse tanto dos EUA quanto do Brasil", disse o representante de Comércio dos EUA, Ron Kirk, em comunicado.
Já o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, afirmou nesta terça-feira que o anúncio das medidas norte-americanas é resultado da "firmeza" da chancelaria brasileira em busca dos interesses nacionais.
Segundo ele, os norte-americanos só adotaram essa postura depois que o Brasil deu início aos procedimentos para retaliar os EUA.
"Somente em função disso é que o governo norte-americano entrou numa negociação verdadeiramente séria conosco", disse Amorim durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado.
No entanto, ele disse que os dois países precisam ainda fechar os detalhes do acordo para ver o "grau de seriedade" das propostas, o que deve demorar pouco mais de dois meses. "Tem muito o que conversar ainda."
Ele também lamentou que o desfecho da disputa tenha levado sete anos e meio para ocorrer. "A Justiça é lenta na OMC também."